quinta-feira, 19 de março de 2009

A filosofia na escola

Por: Hélcia Macedo de Carvalho Diniz e Silva *
Discutiremos questões sobre a filosofia na escola, as quais nasceram há algum tempo, em 2003, quando defendemos Uma contribuição pedagógica para o ensino de filosofia. Mas não calaram e pesquisamos atualmente sobre A teoria dos atos de fala, no mestrado. A ONG. Pe.-Mestre João do Rego Moura, que luta pelo retorno da filosofia ao ensino médio na Paraíba, apóia estes debates. As questões preliminares são:
1. O ensino de filosofia é proposta escolar?2. O que se entende por filosofia? Quais seus alcances? E no que ela pode contribuir na formação dos alunos?3. Estamos vivendo um modismo da filosofia?4. Qual o objetivo do ensino de filosofia?5. Qual a linguagem adequada para o ensino de filosofia?
Desde sempre, a filosofia desperta interesses, nos dias hodiernos ela tem estado em evidência. Muitas escolas têm filosofia como projetos de sucesso, isso se dá porque souberam implantá-la. Há outras que ainda não a tem, mas segundo diretores gostaria de tê-la. Mas obviamente, há as que não tem nem querem ter. Este quadro está prestes a mudar é que no dia 07 de julho de 2006 o Conselho Nacional de Educação (CNE) decidiu tornar obrigatórias as disciplinas de filosofia e sociologia. Aqui na Paraíba. de acordo com a lei 7.302/02, aprovada 07 de janeiro de 2003, ela é obrigatória em todas as escolas estaduais, embora a lei não seja cumprida.
Brevemente, para reflexão, apontamos como sugestões para as questões acima:
1. A filosofia como da proposta da escola: antes de colocar filosofia no currículo, cada escola deve promover discussões e amadurecimento dos objetivos dessa disciplina no projeto político pedagógico (PPP). A implantação da filosofia não surtirá bons frutos se for para satisfazer a direção, ou simplesmente para mostrar serviço. É indispensável o engajamento do educando e o fortalecimento dos docentes e de toda equipe.2. O que se entende por filosofia, quais seus alcances e no que ela pode contribuir na formação dos alunos: não há respostas prontas, talvez porque isso nem seja possível. Todavia, filosofia é a possibilidade para o pensar em sala de aula, seu alcance abre perspectivas de pontos de vista,s sobre o que é e não é novo; vai até o que está presente, desde sempre, e vê de modo diferente. Daí começar pelo o espanto, maravilha, encanto, o que provoca isso pode estar no cotidiano. A contribuição não é quantificada (percentuais), pois a filosofia contribui com o trabalho de desenvolvimento dos níveis do raciocínio crítico, reflexivo e investigativo do aluno. Eleva seu nível cognitivo, intelectual, e amplia sua visão de mundo.3. Estamos vivendo uma época em que a filosofia está na moda: algumas escolas implantaram a filosofia, com o sucesso, divulgam na mídia para atrair mais aluno. A propaganda que é "a alma do negócio" leva outras escolas a adotar filosofia no seu currículo. Daí, muitas vezes a corrida pela filosofia situar-se no âmbito mercadológico. O modismo vende a filosofia como solução para: problemas comportamentais, problemas de desenvolvimento cognitivo e etc. A implantação da filosofia, nestes termos, acarretará um grande deserviço para a comunidade, haja vista a falta de clareza de seus objetivos.4. O objetivo do ensino de filosofia: desenvolver habilidades: de investigação, raciocínio, análise, interpretação de textos filosóficos em relação à realidade para própria formação de conceitos, prezar pelo método reflexivo. Assim, gradativamente, aluno transcende a investigação filosófica para raciocinar fórmulas de matemática, contexto histórico, e desenvolve a leitura e escrita, por exemplo.5. A linguagem no ensino de filosofia: o educador trava com o educando uma conversação na qual as duas partes se entendam. O professor usa em sala de aula a linguagem para: veredictos, declarações, atos de fala, argumento e comunicado. Espera-se que o aluno, como interlocutor em posição responditiva, use a linguagem para expor suas idéias, questionamentos, atuando no debate. O professor recorre ao uso da linguagem e recursos audio-visuais como instrumento de trabalho. Pergunto: se os alunos não mais ouvem o professor e não mais aderem às propostas de ensino como fica o ensino?
A implantação da disciplina filosofia na escola deve cultivar um trabalho conjunto com a comunidade escolar. Não obstante, faz-se mister que o profissional que tenha formação filosófica. A metodologia do ensino para o pensar é específica, e tem por objetivo um problema-objeto a ser resolvido. Isso só acontece em sala de aula se o educando se engajar na proposta, ele é a principal peça para que a investigação aconteça.

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* Bacharela e licenciada a professora Hélcia Macedo ensina filosofia no Centro de Formação Margarida Pereira da Silva, é aluna do mestrado em filosofia na UFPB, trabalhando a filosofia da linguagem em Austin A teoria dos atos de fala. Secretária-Membro da ONG. Pe.-Mestre João do Rego Moura, que luta em prol do retorno da filosofia no ensino médio.

A filosofia como tarefa

Scarlett Marton
Universidade de São Paulo (USP)

A filosofia não se identifica com um domínio específico do saber ou uma determinada área do conhecimento, por mais amplos que sejam. Tampouco se confunde com o exercício de certas habilidades ou a maestria na arte de argumentar. Ela não se define como uma reunião de teses, que fixam uma dogmática, ou um conjunto de técnicas, que estabelecem uma metodologia. Ao contrário do que supõem eruditos e epígonos, doutos e filisteus da cultura, a filosofia é – isto sim - tarefa, missão e destino. Pelo menos, é desta maneira que Nietzsche a concebe.
E a tarefa que Nietzsche reivindica para si mesmo, sua missão e destino, consiste em procurar "por tudo o que é estrangeiro e problemático na existência, por tudo aquilo que foi exilado pela moral". Mas, se ele assim se empenha em seus escritos, não é para ainda uma vez censurar, condenar ou rejeitar o que foi banido da reflexão; ao contrário, julga imprescindível justamente afirmar o que lhe trazem "suas andanças pelo proibido".
À sua tarefa, missão e destino, Nietzsche chama de filosofia do meio-dia, filosofia experimental, filosofia dionisíaca. Com a filosofia do meio-dia, ele aponta o "fim do mais longo erro". Contrapondo-se a dois mil anos de história, não admite que exista outro mundo além deste em que nos achamos; não tolera que haja outra vida além desta tal como a vivemos. Durante séculos, o pensar metafísico e o fabular cristão desvalorizaram este mundo em nome de outro imutável; depreciaram esta vida em nome de outra eterna; e fizeram do homem um ser dilacerado, composto de corpo e alma. Combatendo a metafísica e a religião cristã, Nietzsche faz ver que elas desprezam os valores em consonância com a Terra, com a vida, com o corpo. Por meio da filosofia do meio-dia, ele conta nomear uma forma de pensar que constitui o "ponto alto da humanidade".
Com a filosofia dionisíaca, Nietzsche indica que o homem partilha o destino de todas as coisas. Se o mundo não é uma criação divina e o homem não foi feito à imagem e semelhança de Deus, a relação entre eles tem de mudar. Se o apogeu da humanidade, seu meio-dia, ocorre quando caem por terra os dualismos, o homem, não mais se definindo em relação à divindade, torna-se criatura e criador de si mesmo. E, ultrapassando-se, acaba por identificar-se ao mundo. Homem e mundo não mais se opõem; agora acham-se em harmonia. Ao pretender acabar com a primazia da subjetividade, Nietzsche entende que o homem tem de deixar de colocar-se como sujeito frente à realidade para tornar-se parte do mundo. Através da filosofia dionisíaca, ele quer batizar uma forma de pensar que espelha o mundo, que traduz a vida.
E, com a filosofia experimental, Nietzsche dispõe-se a explorar o que acredita estar por vir. O niilismo, que constata em sua época, consistiria na total ausência de sentido provocada pelo esboroamento dos valores transcendentes. O niilismo radical, que antecipa, deveria antes de mais nada fazer a crítica do fundamento mesmo desses valores. Levando-o às suas últimas conseqüências, seria possível chegar à afirmação incondicional de tudo o que advém. A travessia do niilismo deve levar a uma superação – é o que Nietzsche acredita; ela tem de desembocar num gesto afirmativo, num "dionisíaco dizer-sim ao mundo, tal como é". E assim ele revela a estreita relação entre as duas vertentes de seu pensar: a face corrosiva da crítica dos valores, com a noção de valor e o procedimento genealógico, e a face construtiva da cosmologia, com o conceito de vontade de potência, a teoria das forças e a doutrina do eterno retorno.
Se Nietzsche recorre às três expressões, filosofia experimental, filosofia dionisíaca e filosofia do meio-dia, para caracterizar o próprio pensamento, lança mão de cada uma delas para enfatizar alguns de seus aspectos. Mas, com a filosofia experimental, sublinha a marca mesma do seu pensar.
Para dar-se conta da densidade de sua reflexão, é preciso freqüentar a sua obra, explorar suas tramas conceituais, conviver com suas estratégias. Libertando suas concepções das conotações metafísicas com que os intérpretes as carregaram, livrando-as da unicidade, permanência, substancialidade, fixidez, universalidade, revela-se o que o seu pensar tem de mais próprio. Põe-se em evidência seu caráter pluralista e seu caráter dinâmico, pois, é justamente graças ao dinamismo e ao pluralismo que ele se abre para o futuro.
Pluralista, o pensamento nietzschiano apresenta ao leitor múltiplas provocações. Dinâmico, a ele propõe sempre novos desafios: a crítica contundente dos valores, que entre nós ainda vigem; os ataques virulentos à religião cristã e à moral do ressentimento, constitutivas de nossa maneira de pensar; o combate à metafísica, que devasta noções consagradas pela tradição filosófica; a desconstrução da linguagem, que subverte termos comumente empregados; a tentativa de implodir as dicotomias, que desestabiliza nossa lógica, nosso modo habitual de raciocinar. E seu desafio maior consiste, por certo, no caráter experimental que reveste. Instigando a questionar sem trégua ou termo, descarta grande quantidade de preconceitos, desmascara a falta de sentido de inúmeras convicções, alivia o fardo das esperanças vãs. É certo que, ao lidar com os escritos de Nietzsche, o leitor não se arrisca a defrontar-se com textos herméticos e impermeáveis a toda abordagem. Também é certo que corre o risco de julgar, iludindo-se, apreender com justeza o que parece facilmente acessível. Mais grave, porém, é este perigo que tem de enfrentar: o de abandonar arbitrariamente a busca e apegar-se ao já conhecido, o de deter-se onde é instado a prosseguir investigando. E nada mais avesso ao espírito nietzschiano que cristalizar convicções.
Coragem e despojamento Nietzsche exige igualmente de si mesmo. Acreditando precisar de amplos horizontes para ter grandes idéias, recusa-se a conferir caráter monolítico ao texto, nega-se a pôr-se como senhor autoritário do discurso. Tanto é que não procura constranger o leitor a seguir um itinerário preciso, obrigatório e programado. E tampouco busca, com longos raciocínios e minuciosas demonstrações, convencê-lo da pertinência de suas idéias.
Nada mais distante de Nietzsche que o projeto de enclausurar o pensamento, encerrá-lo numa totalidade coesa mas fechada. Nada mais afastado de Zaratustra, seu alter ego, que o propósito de colocar a investigação a serviço da verdade, asfixiá-la sob o peso do incontestável. Zaratustra não expõe doutrinas; Nietzsche não impõe preceitos. Limitam-se - e isso não é pouco - a partilhar ensinamentos, comungar vivências. Ambos sabem que a experiência de cada um se dá de acordo com o seu feitio. Em suas vivências singulares, tanto Nietzsche quanto Zaratustra percebem os impulsos que deles se apossam, os afetos que deles se apoderam; notam as estimativas de valor que com estes impulsos se expressam e, no limite, as idéias que com estes afetos se manifestam.
Não é, pois, para um ouvinte apático, que se curva ao que lhe é dito, que Zaratustra fala; não é para um leitor conivente, que acata sem restrições o que lhe é imposto, que Nietzsche escreve. É outra a relação que contam estabelecer com seus interlocutores. Buscam quem experimenta tensões de impulsos, disposições de afetos, similares às suas, numa palavra, quem tem vivências análogas às suas. Anseiam por quem siga o próprio caminho, comprometido com o caminho que eles mesmos seguem. Mais do que problema psicológico ou questão existencial, em Nietzsche, o experimentalismo é opção filosófica. De fato, são vários os textos em que convida o leitor à experimentação, seja por entender que nós, humanos, não passamos de experiências ou por acreditar que não nos devemos furtar a fazer experiências com nós mesmos. Em Assim falava Zaratustra, ele jamais lança mão da linguagem conceitual; as posições que avança tampouco se baseiam em argumentos ou razões; assentam-se em vivências. Em Para além de bem e mal, refere-se aos filósofos do futuro como experimentadores, como os que têm o dever "das cem tentativas, das cem tentações da vida". Num fragmento póstumo, afirma ignorar "o que sejam problemas ‘puramente espirituais’". E, no Ecce Homo, obra em que se dispõe a contar-se a sua vida, fala da filosofia tal como a entendeu e a viveu. Pondo-se por inteiro como instrumento para o próprio filosofar, Nietzsche sublinha o estreito vínculo que julga dever existir entre reflexão filosófica e vivência.
Scarlett Marton é professora do Departamento de Filosofia da USP, coordenadora do GEN – Grupo de Estudos Nietzsche, editora dos Cadernos Nietzsche e autora de Nietzsche, das forças cósmicas aos valores humanos (Editora da UFMG, 2ª ed, 2000) e Extravagâncias: Ensaios sobre a filosofia de Nietzsche (Discurso Editorial, 2000), dentre outros.

Universidade Federal do Amapá
Pró-Reitoria de Ensino Superior
Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia
Disciplina: Introdução à Filosofia
Educador: João Nascimento Borges Filho

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

A EDUCAÇÃO PARA O PENSAR

Marcos Antonio Lorieri
CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO QUE DIZ MATTHEW LIPMAN NA PRIMEIRA PARTE DO SEU LIVRO: O PENSAR NA EDUCAÇÃO.

Com o título Educar para Pensar, a primeira parte do livro referido é composta de quatro capítulos que têm os seguintes subtítulos: o modelo reflexivo da prática educativa; aprendendo a pensar; a plenitude do desempenho cognitivo; cognição, racionalidade e criatividade.
Pelos títulos já se pode depreender que Lipman pretende explicitar aspectos importantes dos resultados de suas investigações a respeito do tema Educação para o Pensar.
Nosso objetivo, aqui, é colher algumas de suas explicitações, acompanhando-as de algumas considerações que julgamos úteis para nossa realidade brasileira e oferecê-las como subsídios para o trabalho em sala de aula. Especialmente o trabalho com o Programa Filosofia para Crianças.
Lipman se alinha àqueles que sustentam que "o fortalecimento do pensar na criança deveria ser a principal atividade das escolas e não somente uma conseqüência casual". (LIPMAN, 1995, p. 11).
Isto não significa que apenas trabalhando os conteúdos das várias disciplinas, automaticamente, o pensar dos alunos vai sendo desenvolvido e fortalecido. Significa afirmar que é preciso oferecer atividades voltadas, intencionalmente, ao cultivo do "pensar bem", além da oferta dos conteúdos. Estes últimos, sempre necessários.
Mas o que seria o "pensar bem"? Antes: o que constitui o ato de pensar?
Lipman coloca esta segunda pergunta à página 13 do livro, mas não é aí que ele a responde. Há uma resposta que chama a atenção à página 140: "pensar é fazer associações e pensar criativamente é fazer associações novas e diferentes".
Em passagem anterior a esta, Lipman afirma a mesma coisa sobre o que é o pensar, explicitando-a um pouco mais:
"Pensar é o processo de descobrir ou fazer associações e disjunções. O universo é feito de complexos (não há, evidentemente, realidades simples) como as moléculas, as cadeiras, as pessoas e as idéias, e estes complexos têm ligações com algumas coisas e não com outras. O termo genérico para associações e disjunções é relacionamentos. Considerando que o significado de um complexo encontra-se nos relacionamentos que este tem com outros complexos, cada relacionamento, quando descoberto ou inventado, é um significado, e grandes ordens ou sistemas de relacionamentos constituem grandes corpos de significados." (LIPMAN, 1995. p. 33).
Nas duas passagens Lipman está afirmando que pensar é o processo de descobrir relações existentes na realidade e representá-las em nossas consciências e que isso nos permite atinar para os significados ou os sentidos que, de alguma forma, estão dados na mesma.
Esta não é uma tarefa fácil, pois a realidade é complexa nas suas relações e inter-relações. Mas a única forma de apreender o seu sentido é estar apreendendo as relações que a constituem. E, se estas relações são dinâmicas, isto é, estão sempre se refazendo e se modificando, o nosso pensamento precisa estar atento e precisa ser competente para apreendê-las neste seu dinamismo.
Lipman indica, ainda, uma possibilidade especial do pensar: a de produzir ou criar novas relações e, portanto, a de os seres humanos estarem produzindo novas significações ou novos sentidos para a realidade e, por conseguinte, para suas próprias vidas, visto que fazem parte do processar-se da realidade.
A forma através da qual os seres humanos concretizam sentidos ou direções na realidade é sempre a sua prática, a sua ação. Ao mesmo tempo em que vão agindo e pensando reflexivamente o seu agir, os seres humanos podem estar representando as relações implicadas na realidade e podem estar representando intelectualmente novas relações. Tanto as relações percebidas quanto as relações criadas ou construídas são trabalhadas na consciência como indicadoras das direções (sentidos) da prática humana.
A ação tem, como componente importante e necessário, o processo do pensar. Não é só o pensar que determina a ação, mas o pensar, nos seres humanos, é um dos determinantes da ação. O pensar produz sentidos, direções, significações na e para a ação. Daí a importância de que o pensar seja bem "produzido", isto é, seja construído com rigor, sistematização, profundidade, com examinação constante e séria e com disposição constante a revisões (auto-correção), levando em conta as várias situações na sua globalidade e, dentro de cada realidade situacional, as relações dadas e as possíveis.
Um pensar assim, para Lipman, é um pensar bem, é um pensar de ordem superior que é crítico e criativo.
A expressão mais utilizada por Lipman, neste livro, para se referir ao pensar bem é pensamento de ordem superior que ele opõe à expressão pensamento de ordem inferior.
Algumas afirmações suas podem nos ajudar a ir entendo o que ele quer dizer com esta expressão que, assim como outras, diz ele, são contagiadas pela inexatidão ( p. 37) :
Diferentes observadores atribuem diferentes propriedades ao pensamento de ordem superior, mas, em geral, o que parecem querer dizer é que este pensamento é conceitualmente rico, coerentemente organizado e persistentemente investigativo. (LIPMAN, 1995, p. 37)
Podemos acrescentar que o pensamento de ordem superior não equivale somente ao pensamento crítico, mas à fusão dos pensamentos crítico e criativo. ( idem, p. 38)
Em um esclarecedor quadro, à página 43, Lipman indica algumas características do pensar de ordem superior que, aí, é também chamado de pensar complexo. Ele envolve características do pensar crítico, como utilização de critérios, produção de juízos ou julgamentos, autocorreção, sensibilidade ao contexto e outras. Envolve, também, características do pensar criativo, como sensibilidade aos critérios sem se deixar aprisionar por eles, capacidade de autotranscendência, isto é, capacidade de "ir além ou transcender a si mesmo" (nota da p. 44), ou seja, capacidade de produzir novas relações e não apenas constatar as relações já dadas.
É claro que aquilo que denominamos aqui de pensamento complexo inclui o pensamento recursivo, o pensamento metacognitivo, o pensar autocorretivo e todas aquelas formas de pensamento que envolvem a reflexão sobre sua própria metodologia, enquanto examinam, ao mesmo tempo, seu tema principal. (idem, p.43).
Essas são características do pensamento crítico; mas o pensamento de ordem superior inclui, também, o pensamento criativo, como já foi assinalado acima.
Como características do pensamento criativo, Lipman aponta habilidade, talento, julgamento criativo, inventividade, produção de alternativas ou hipóteses plausíveis, etc. Tais características são indicadas em vários momentos desta obra.
Apesar da afirmação de que o pensamento criativo faz parte indissociável do pensamento de ordem superior e que ele é fundamental para o próprio pensamento crítico, Lipman se detém mais amplamente no estudo das características deste último.
Faz parte do pensamento crítico bem desenvolvido (e isto influencia e faz parte do pensamento criativo) a utilização ótima daquilo que Lipman denomina de habilidades cognitivas.
Vejamos isso um pouco mais detalhadamente.
Habilidades Cognitivas
No capítulo 2, Aprendendo a Pensar, Lipman inclui uma caracterização das habilidades cognitivas com o intuito de auxiliar os educadores a serem capazes, primeiro de reconhecê-las e, segundo, de realizarem atividades que possam fortalecê-las e desenvolvê-las.
A um dado momento deste capítulo, após tecer várias considerações sobre o raciocínio e sobre a linguagem, Lipman contesta um equívoco que ele diz ser comum: o de se afirmar que nossas habilidades de raciocínio aumentam e melhoram com a idade. Diz ele que isso é verdade apenas parcialmente. Todos nós contamos com um repertório básico de habilidades cognitivas que, se não forem estimuladas adequadamente por um processo educacional propício, não se desenvolverão para além deste repertório básico.
Na sociedade complexa e dinâmica de hoje, o domínio de um pensar de ordem superior (um pensar complexo) é instrumento fundamental de realização de todas as pessoas. Daí a sua proposta de uma educação para o pensar que contemple o desenvolvimento do pensamento crítico e criativo.
Mas quais seriam as habilidades cognitivas (ou habilidades de pensamento) que constituem o repertório básico que todos temos e que precisariam ser melhor desenvolvidas?
Lipman oferece uma primeira lista na seguinte passagem:
Assim, mesmo quando estamos envolvidos com os tipos mais elaborados de pensamento - longas cadeias dedutivas, construções teóricas altamente confusas, e coisas parecidas - pressupõe-se uma familiaridade com um número relativamente pequeno de atos mentais, habilidades de raciocínio e habilidades investigativas sobre as quais se baseiam as operações de pensamento mais elegantes e sofisticadas.
Sem a capacidade de presumir, supor, comparar, inferir, contrastar ou julgar, para deduzir ou induzir, classificar, descrever, definir ou explicar, nossa própria capacidade para ler e escrever estaria ameaçada, para não mencionar nossa capacidade para participarmos em debates em sala de aula, prepararmos experimentos e compormos textos.
(idem, p. 57).
Pensamento de ordem superior é mais exigente quanto a critérios, razões, profundidade, abrangência de sua compreensão e ao contexto ou contextos a que se refere, quanto ao rigor, à autocorreção, a se ver e se acompanhar no seu próprio processar-se (metacognição), quanto a complexidade das relações que identifica ou que estabelece e reconstrói e quanto à sua capacidade reflexiva.
Ora, dirá Lipman, para um pensamento assim são necessárias habilidades cognitivas de ordem superior.
Aquelas do repertório básico são a base. Seu uso comum, sem determinadas qualidades, as tornam habilidades de ordem inferior. Seu uso de uma outra forma, num outro grau de complexidade, as tornam de ordem superior.
Lipman aponta, nas páginas 57 a 59, algumas características e formas de emprego do repertório básico das habilidades que as tornam de ordem superior. Dentre as referidas características e formas destacam-se a sua complexidade de uso, a coordenação e sequência entre elas quando do seu emprego e formas de sua aplicação expandidas e cumulativas.
As habilidades cognitivas são utilizadas assim, de uma maneira "superior", quando são articuladas naquilo que Lipman chama de mega- habilidades, isto é, grupos de habilidades que são utilizadas conjuntamente para as operações de raciocínio, investigação, formação de conceitos e tradução.
Habilidades de raciocínio, habilidades de investigação, habilidades de formação de conceitos e habilidades de tradução são expressões utilizadas por Lipman para indicar grupos de habilidades cognitivas. Cada grupo contém, ou envolve, várias habilidades que concorrem interligadamente para que aconteça, ou o raciocínio, ou a investigação, ou a formação de conceitos, ou a tradução.
Não só. Estes grupos de habilidades estão sempre funcionando interligadamente no nosso processo de pensar e, por conseguinte, no nosso processo de falar. É no nosso processo de falar que o nosso processo de pensar é operado. Sem linguagem, para Lipman, não há pensamento. Daí a importância que ele atribui à conversa organizada, isto é, ao diálogo investigativo que deve ser promovido na sala de aula. A sala de aula deve ser transformada em uma pequena, mas importante, comunidade de investigação.
Neste sentido são importantes as seguintes palavras de Lipman:
"Em relação aos objetivos educacionais, a matriz comportamental do pensamento é a fala, e a matriz do pensamento organizado (isto é, o raciocínio) é a fala organizada."
Em termos ideais, a comunicação lingüística na infância inicial, no contexto familiar, prepara as crianças para pensarem na linguagem da sala de aula, e isto, por sua vez, as prepara para pensar nas linguagens das disciplinas. Mas, visto que a comunicação familiar raramente é o que deveria ser, a conversa disciplinada e coerente na sala de aula deve ser oferecida como seu substituto.
"O grupo de conversação é a chave para a transição suave da vida familiar para a vida governada pelas normas da sala de aula. "(LIPMAN, 1995, p. 54).
Seria muito útil, para se ter uma idéia mais clara do que Lipman está pensando sobre diálogo e comunidade de investigação, ler a última parte deste livro e, em especial, o capítulo 14 que tem como título: Pensar em Comunidade.
Mas voltemos aos quatro grupos de habilidades cognitivas. É nas páginas 65 a 76, do livro que estamos examinando, que Lipman descreve e explicita estes quatro grupos de habilidades.
É bom notar que, com respeito ao grupo das habilidades de formação de conceitos, Lipman utiliza uma segunda denominação: "organização de informações". Isso faz sentido, pois todo conceito é, na realidade, uma organização de informações sobre algo que produzimos ou construímos em nossa consciência sobre algo.
É com as seguintes palavras que ele anuncia os quatro grupos:
"As áreas de habilidades mais relevantes para os objetivos educacionais são aquelas relacionadas com os processos de investigação, processos de raciocínio, organização de informações (formação de conceitos, é bom lembrar) e tradução.
É provável que crianças muito pequenas possuam todas essas habilidades de maneira ainda rudimentar.
A educação não é, portanto, uma questão de aquisição de habilidades cognitivas, mas de fortalecimento e aperfeiçoamento de habilidades. Em outras palavras, as crianças estão naturalmente inclinadas a adquirir habilidades cognitivas, do mesmo modo que adquirem naturalmente a linguagem; e a educação é necessária para fortalecer o processo." (LIPMAN, 1995, p. 65).
Interessante, nesta passagem, é que Lipman coloca o grupo das habilidades de investigação antes das habilidades de raciocínio, o que ele faz, também, à página 72. Em todos os seus outros textos por nós conhecidos, ele coloca, em primeiro lugar, o grupo das habilidades de raciocínio.
Ainda que esta ordem não seja essencial, é interessante notar nas suas explanações, que ele diz que, na investigação, nós produzimos as primeiras informações. Isto é, nós produzimos ou construímos nosso primeiro conhecimento que se expressa em juízos, ou seja, em afirmações que vamos produzindo a respeito de tudo que se apresenta a nós como necessário de ser entendido.
Juízos devidamente encadeados ou articulados entre si vão produzindo nosso pensamento articulado sobre a realidade e sobre nós mesmos, e são expressos nas proposições e nos discursos.
Habilidades de investigação
Para produzirmos juízos, precisamos investigar. Para investigar precisamos ser capazes de, no mínimo, observar bem, problematizar ou formular boas questões, formular hipóteses plausíveis, verificar cuidadosamente, constatar, chegar a produzir conclusões ( os tais juízos) e, muito importante, ser capazes de nos autocorrigirmos toda vez que nossas conclusões se nos mostrarem enganadas.
"Investigação é uma prática autocorretiva onde um tema é investigado com o objetivo de descobrir ou inventar maneiras de lidar com aquilo que é problemático. Os produtos da investigação são os julgamentos." (idem, p. 72).
Em Natasha, sua última obra traduzida no Brasil, ao ser interrogado quanto à expressão "habilidades de investigação", Lipman diz que a utiliza na "falta de melhor nome. São as habilidades empregadas para fazer ciência."(LIPMAN, 1997, p. 49).
Ora, as habilidades empregadas para fazer ciência são, dentre outras, as relacionadas acima e que Lipman não indica, nos seus escritos, em listagens assim, mas assinalando umas ou outras delas, ou apresentando-as numa grande listagem sem separá-las nos quatro grupos das "megahabilidades".
Um exemplo de grande listagem das habilidades cognitivas pode ser encontrado às páginas 80 e 81 do livro: A Filosofia vai à Escola (LIPMAN, 1990). Neste mesmo livro, nas páginas 227 a 241, Lipman explicita o seu entendimento de cada uma das vinte e sete habilidades listadas às páginas 80-81.
É necessário que tal explicitação se dê para cada professor que se proponha a trabalhar educacionalmente na direção do desenvolvimento ou fortalecimento destas habilidades como o propõe Lipman.
Vejamos o que ele diz a respeito das habilidades que compõem o grupo das habilidades de raciocínio.
Habilidades de raciocínio
Comecemos com as seguintes palavras de Lipman:
"Raciocínio é o processo de ordenar e coordenar aquilo que foi descoberto através da investigação. Implica em descobrir maneiras válidas de ampliar e organizar o que foi descoberto ou inventado enquanto era mantido como verdade." (LIPMAN, 1995, p. 72).
Mas o que foi descoberto através da investigação?
Informações, por certo, que são organizadas nos nossos juízos ou nos nossos "julgamentos", conforme citação anterior.
Ora, os nossos juízos são afirmações (ou negações) que produzimos a respeito de uma situação, de um fato, de algo, após termos feito uma análise investigativa: descobrimos alguma "verdade" a respeito e a afirmamos com base na investigação feita.
Nós expressamos os juízos através de proposições ou orações.
Pois bem, diz Lipman, quando ordenamos e coordenamos os nossos juízos de uma tal forma que, a partir deles, nós ampliamos aquilo que havíamos descoberto na investigação, nós estamos fazendo um raciocínio.
O conhecimento origina-se da experiência. Uma maneira de ampliá-lo sem, no entanto, recorrer a experiências adicionais, é através do raciocínio. Considerando aquilo que conhecemos, o raciocínio nos permite descobrir coisas adicionais afins.
A partir de um argumento solidamente formulado, onde iniciamos com premissas verdadeiras, descobrimos uma conclusão igualmente verdadeira que é "inferida" em conseqüência destas premissas.
Nosso conhecimento baseia-se na experiência do mundo; é por meio do raciocínio que ampliamos este conhecimento, preservando-o. (idem, p. 66).
O raciocínio é, pois, o processo do pensamento através do qual nós produzimos nossas conclusões a partir de algo já sabido. Isso, todas as pessoas fazem, inclusive crianças pequenas.
Mas há raciocínios mais simples e raciocínios mais complexos, isto é, aqueles que fazem parte do pensamento de "ordem superior". Um dos objetivos de uma educação para o pensar deve ser o de ajudar crianças e jovens a serem capazes de realizar raciocínios mais complexos. Para tanto é importante promover o fortalecimento das habilidades de raciocínio que envolvem,
"... por exemplo, a utilização de inferências bem fundamentadas, a apresentação de razões convincentes, a revelação de suposições latentes, a determinação de classificações e definições defensáveis e a organização de explicações, descrições e argumentos coerentes." ( LIPMAN, 1995, P. 46).
Habilidades de formação de conceitos
A formação de conceitos implica na organização de informações para grupos relacionais e, então, analisar e esclarecê-los para facilitar sua utilização na compreensão e no julgamento.
O pensamento conceitual envolve relacionar conceitos entre si a fim de formar princípios, critérios, argumentos, explicações, etc. (LIPMAN, 1995, p. 72).
Esta organização de informações que construímos em nossa consciência pode ser expressa por palavras, por sentenças e por esquemas, diz Lipman, à p. 67. Trata-se de conjuntos de informações relacionadas entre si e que formam um sentido, um significado.
Pense-se, por exemplo, na palavra mesa. Se "dominamos", ou compreendemos o significado que esta palavra expressa, é sinal de que somos capazes de "ver" um conjunto de aspectos que, reunidos e interligados, nos dão a idéia, o conceito, do que constitui uma mesa. Não só. Na verdade, nós ficamos de posse de um conjunto significativo de informações inter-relacionadas (de um conceito) que nos ajuda a nos entendermos mutuamente quando falamos de mesas e nos ajuda a identificarmos como mesa os objetos que se nos apresentam com um conjunto de dados interligados desta mesma forma.
Nós podemos ir formando conceitos a partir de nossas relações diretas com as coisas, objetos, situações, etc., dentro de contextos situacionais culturais de uso e de significação ou, também, podemos formar conceitos sem estarmos em relação direta, física, com os objetos.
Em ambas as situações, para sermos capazes de formar conceitos em nós mesmos, precisamos ser capazes de relacionar idéias entre si; "esmiuçar" idéias que estejam juntas, isto é, analisar; juntá-las de novo, isto é, sintetizar; esclarecer significados; explicar; etc..
Esta é uma listagem de habilidades que auxiliam na habilidade maior de formação de conceitos que se pode encontrar nos textos de Lipman.
Habilidades de tradução
"Tradução implica na transmissão de significados de uma língua ou esquema simbólico, ou modalidade de sentido, para outra, mantendo-os intactos." (LIPMAN, 1995, p.72).
Traduzir, então, é conseguir dizer algo que está dito com certas palavras ou de certa forma, por meio de outras palavras, ou por meio de outras formas, mantendo o mesmo significado. Diz Lipman, que isto é o que ocorre nas boas traduções de uma língua para outra. Mas isto ocorre, também, quando procuramos dizer, com nossas próprias palavras, algo que alguém disse com as palavras dele. Ou, ainda, quando alguém procura traduzir em gestos, ou em desenhos, etc., algo já dito ou expresso de qualquer outra forma. O importante é manter o significado.
Parece-nos óbvia a importância desta "megahabilidade". Para o seu desenvolvimento, diz Lipman, é necessário desenvolver a capacidade de interpretação, bem como todas as habilidades envolvidas na formação de conceitos.
No seu livro Natasha (1997), Lipman tem passagens que explicitam, ainda mais, o que entender por tradução. Dentre elas, recomendamos a leitura da página 49.
O que procuramos mostrar neste texto foram algumas das idéias de Matthew Lipman sobre Educação para o Pensar. Trata-se de uma primeira aproximação do que Lipman diz. Obviamente, faltam, ainda, leituras de outros textos e maiores explicitações. Faltam, principalmente, análises críticas das propostas de Lipman.
Fica, aqui, convite e propostas para que outras pessoas ampliem o que está apenas começado.
Bibliografia
LIPMAN, Matthew. A Filosofia vai à Escola. São Paulo. Summus, 1990.
LIPMAN, Matthew. A Filosofia na Sala de Aula. São Paulo. Nova Alexandria,1994.
LIPMAN, Matthew. O Pensar na Educação. Petrópolis. Vozes, 1995.
LIPMAN, Matthew. Natasha: diálogos vygotskianos. Porto Alegre. Artes Médicas, 1997.
http://www.cbfc.org.br/mod_biblioteca.asp?passos=Artigo&ArtigoID=56